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Plataforma Democrática*
Fundação iFHC / Centro Edelstein
Relatório nº 1, dezembro de 2014
Cuba representa uma exceção na América Latina e no mundo. É o último país onde sobrevive a ideologia e as instituições comunistas do período da Guerra Fria. Com certeza, podemos encontrar países asiáticos que ainda são dirigidos por partidos comunistas, mas eles abraçaram o mercado e a integração no sistema capitalista mundial (com exceção da Coreia do Norte, transformada em uma monarquia totalitária militarizada).
Se o Estado cubano organiza suas relações internacionais em torno de um anacrônico discurso anti-imperialista a serviço da legitimidade do regime, a atitude dos Estados Unidos de manter o embargo econômico sobre a ilha é igualmente insustentável, sendo a expressão de tempos passados e interesses menores de minorias intransigentes.
Na América Latina, Cuba é o único país que não reconhece os princípios de liberdade de expressão e organização, ainda que esses princípios balancem em alguns países. Apesar de a região ter abraçado a democracia não só no âmbito nacional como em suas instituições regionais (o Mercosul, a UNASUL e a CELAC possuem uma cláusula democrática), os países latino-americanos preferem olhar em outra direção quando se trata do caso cubano, sem questionar a situação dos direitos humanos e das liberdades democráticas. As razões desta atitude exigiriam um estudo prolongado, mas certamente é alimentada por uma reação contra o embargo dos Estados Unidos, a sobrevivência do mito da revolução cubana e a figura de Fidel Castro, e os êxitos inegáveis do regime na área social, apesar de sua deterioração nos últimos anos, em uma região que ainda está aprendendo que democracia e justiça social podem, e devem, andar juntas.
Nos últimos anos, o governo de Raúl Castro iniciou uma série de reformas econômicas que o regime denomina como “atualização do modelo”, que incluem a liberdade em diversos setores de atividades por conta própria e microempresarial, permite a compra e venda de imóveis e libera as viagens para o exterior. Ao mesmo tempo, procura diminuir o número de funcionários públicos.
Estas reformas deverão produzir transformações sociais que, espera-se, em algum momento permitirá abrir novos espaços de expressão política, ainda que o regime até o momento tenha deixado claro que se trata de mudanças localizadas exclusivamente na área econômica.
A pergunta que se faz é em que medida o processo atual abre novas perspectivas para que a região inicie um diálogo com o regime cubano que permita que os processos de reforma avancem, tanto na área econômica (dada a vasta experiência da região em tentar legalizar as formas informais de trabalho e o fomento das microempresas), quanto no campo da cooperação científica e tecnológica, na modernização do Estado, no âmbito da sociedade civil e dos intercâmbios culturais.
Para responder esta pergunta, entrevistamos várias pessoas na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa[1] que acompanham os processos em desenvolvimento em Cuba. Dada à importância que o tema do embargo dos Estados Unidos possui, ele terminou ocupando um lugar de destaque. As entrevistas foram realizadas entre janeiro e maio de 2014.
Todas as entrevistas (a lista de pessoas entrevistadas foi incluída no final do texto) indicam uma convergência de opiniões, no sentido de que:
A revolução cubana representou, para alguns setores da América Latina, a procura por uma sociedade mais justa e pelo direito de autodeterminação dos povos. A luta contra a ditadura de Batista, a reforma agrária e a universalização dos direitos da população nas áreas da educação e da saúde continuam representando símbolos que permanecem atuais.
O contexto da Guerra Fria no qual a revolução foi feita e o confronto com os Estados Unidos levou ao alinhamento da revolução cubana com o bloco soviético, o que criou um isolamento da ilha em seus intercâmbios com a região e com relação aos processos de transformação que aconteceram em diversos países.
Agora, no século XXI, vivemos em um mundo muito diferente do mundo de meio século atrás. Novos sistemas de comunicação possibilitam a criação de redes sociais e intercâmbios culturais que desconhecem fronteiras, o comércio expandiu-se associado a cadeias de produção que atravessam países e regiões, a política internacional é cada vez mais multipolar e as relações entre os países respondem a uma série de interesses e afinidades.
Os países da América Latina diversificaram muito seu comércio internacional, desenvolveram políticas de inclusão social, com medidas de distribuição de renda e da universalização da educação e dos serviços de saúde, consolidaram regimes democráticos, assim como promovem a defesa dos direitos humanos. A América Latina passou a ter voz própria no cenário internacional, afirmando sua forma particular de avançar na construção de uma ordem mundial baseada na procura de soluções pacíficas para os conflitos, no respeito à diversidade e na promoção dos direitos humanos.
Cuba iniciou um processo de reformas que seguirá no seu ritmo, de acordo com a vontade do governo. No entanto, um posicionamento latino-americano de apoio às reformas poderia estimular inclusive a adoção de novas medidas de normalização das relações entre os Estados Unidos e Cuba, que construam um caminho em direção à suspensão do embargo a médio prazo, que poderá ser realizado gradualmente.
Mas, por diversas razões, Cuba não é um tema prioritário nem para os Estados Unidos, nem para os governos latino-americanos. Isto significa que a região está se omitindo em um assunto no qual poderia ser protagonista, através de um posicionamento que, ao mesmo tempo em que se diferencia dos Estados Unidos, não assume suas responsabilidades em relação a uma efetiva integração da sociedade cubana e da luta pelo respeito aos direitos humanos na região. Assumir essa posição reforçaria a posição de todos aqueles que, inclusive nos Estados Unidos, queiram deixar o passado para trás e construir um futuro mais próspero para Cuba.
Uma atitude proativa latino-americana sobre Cuba transmitiria a mensagem de que existe uma América Latina decididamente democrática e politicamente autônoma com relação aos Estados Unidos, disposta a desempenhar um papel apoiando a mudança em Cuba. Princípios de convivência baseados no respeito à soberania nacional, não significam que os países da região devam se omitir e não expressar suas opiniões ou que não procurem promover um diálogo aberto entre a sociedade civil e política sobre temas espinhosos.
Neste contexto, é importante afirmar que as relações com Cuba devem ser prioritárias para a América Latina, olhando para o presente e o futuro, não permitindo que conflito de interesses, ressentimentos e visões de mundo ultrapassadas prejudiquem o processo de integração de Cuba na região e na comunidade internacional. Isto significa derrubar as barreiras construídas em outros períodos da história, como o embargo dos Estados Unidos a Cuba, e afirmar o respeito à autodeterminação do povo cubano, o que não nega o direito dos países de expressar diferenças e criticar, quando necessário, a violação dos direitos humanos em Cuba.
Relação das pessoas entrevistadas (realizadas entre janeiro e maio de 2014)
*Plataforma Democrática (www.plataformademocratica.org) é uma iniciativa do Centro Edelstein de Pesquisas Sociais e da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso, dedicada ao fortalecimento das instituições democráticas e da cultura na América Latina, através do debate pluralista de ideias sobre as mudanças na sociedade e na política da região e do mundo.
Tradução Miriam Xavier
Fevereiro de 2015
[1] Foram entrevistadas 40 pessoas entre acadêmicos, líderes da sociedade civil, políticos e funcionários públicos (alguns já aposentados). A eles, nosso agradecimento, lembrando que não são responsáveis pela análise e opiniões expressas neste relatório. ↑
[2] Atlantica Council, “US-Cuba: a New Public Survey Supports Policy Change”, http://www.atlanticcouncil.org/images/publications/2014cubapoll/US-Poll.pdf 15/11/2014. ↑
[3] http:www.politifact.com/florida/statements/2014/feb/11/charlie-crist/charlie-crist-flips-cuba-embargo/. ↑
[4] http://www.media.bloomberg.com/bb/avfile/rqfvUFFN8vl8. ↑
[5] htpp://www.washingtonpost.com/politics/sugar-tycoon-alfonso-fanjul-now-open-to-investing-in-cuba-under-right-circumstances/2014/02/4192b016-8708-11e3-a5bd-844629433ba3_story.html. ↑
O atentado contra o semanário satírico Charlie Hebdo foi interpretado por muitos como parte de um conflito entre extremistas muçulmanos e um jornal em campanha quase sistemática contra o Islã extremista.
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